
Todos os dias eles estão lá, faça sol ou chuva. Pedindo socorro na avenida Brasil, na Compensa, zona Oeste de Manaus, bem na frente da sede do governo do Amazonas, símbolo de status e poder. Assim que o sinal fica vermelho e os carros param eles ganham a rua. A cena se repete há dois anos. De vez em quando, entre os veículos, passa por eles um carro muito especial.
Lá está o governador do Amazonas, Wilson Lima (UB), entrando no palácio oficial com janelas de vidro limpíssimas, pelo portão que fica a cinco metros de onde, com um papelão na mão, um pai pede emprego, comida, fralda, ou um trocado para poder se alimentar. Com ele, a esposa, uma filha de 2 anos no colo e outro bebê de 4 meses atracado ao seio da mãe.

Essa é a história de uma família que mora no Grande Vitória e foi entrevistada neste feriado de Corpus Christi (16) pela equipe do Repórter Manaós. Os nomes não serão identificados e as imagens dos rostos serão distorcidos para preservar a identidade dessas pessoas.
São cidadãos amazonenses, invisíveis aos olhos do poder público, que todos os dias passa por eles e finge não ver, deixando de cumprir sua obrigação.
É a quebra de um juramento feito há quatro anos: cuidar do Amazonas.
“Eu já vi o Wilson várias vezes chegando. Tenho vergonha de falar com ele. Não sei se ele já me viu. Mas ninguém liga pra gente. A eleição está chegando, aí eles lembram de ir nos visitar. Só nessa hora né?”, diz a mãe, uma jovem de 23 anos, que acompanha o marido até o sinal da avenida Brasil.
O pai dessa família é um jovem de 19 anos, que como milhões em sua idade não consegue trabalho no Brasil. Há dois anos ele está ali, no sinal, após perder o serviço de ajudante de padeiro.
“Me ajude a comprar fralda e alimento para os meus filhos. Deus abençoe você”.
A mensagem no papelão é ignorada por Wilson Lima, por seus secretários que também vão à sede do Governo, mas não por muitos motoristas que param no sinal vermelho.
“Eu recebo muita ajuda. Tem gente que dá fralda, comida. Daqui eu tiro R$ 250 para pagar o aluguel e o que sobra para dar de comida aos meus filhos.”, disse o jovem, que por volta das 13h desta quinta-feira tinha apenas R$ 2, entregues à filha de 2 anos que brincava com a nota inocentemente, sentada em uma caixa de madeira na calçada, com a chupeta na boca.
Todos estavam sem almoçar.
“Nem todo dia a gente almoça”, reconhece a mãe, que precisa ter forças para amamentar o filho coberto com uma fralda na cabeça.
PRATO VAZIO E BOLSO CHEIO
Talvez a grande ironia dessa triste história esteja nas redes sociais e nas campanhas do Governo do Amazonas veiculadas neste momento de pré-campanha. Wilson Lima tem percorrido o Amazonas, abraçando, dançando e postando seguidas inaugurações de um programa chamado “Prato Cheio”, que junto ao Auxílio Enchente, tem rendido muitas postagens nas redes sociais oficiais, mas está longe de resolver a vida do amazonense mais humilde e fora desses programas.

É a maior aposta do governador, que luta pela reeleição em meio a um alto índice de rejeição desde os tempos da pandemia, quando protagonizou um episódio de compra de respiradores em loja de vinho, que lhe rendeu um processo no STJ, e ainda foi acusado pelas famílias de negligência, após dezenas de pacientes morrerem asfixiados por falta de oxigênio nos hospitais públicos do Amazonas.
Sobre a decisão de hoje, afirmo: as acusações contra mim não têm fundamento e tampouco base concreta, como ficará provado no decorrer do julgamento.
— Wilson Lima (@wilsonlimaAM) September 20, 2021
Wilson faz questão de dizer que “o mais importante nesse momento é colocar comida na mesa das famílias”, mas justamente aqueles que todos os dias estão a seus pés e olhos seguem a rotina de fome. “Às vezes as pessoas me xingam. Ou jogam dinheiro no chão para gente pegar. Não é isso que eu quero. Quero uma vida digna”, diz o pai, ainda sem ver essa comida patrocinada pelo dinheiro público sair da propaganda e ir parar na barriga de sua família.

Se a família que todos os dias pede comida “na porta” do governador Wilson Lima passa fome, não é por falta de dinheiro do Estado. Em 2021 O Amazonas arrecadou em tributos R$ 22,7 bilhões. Este ano, último da gestão Wilson Lima, serão R$ 24 bilhões nos cofres, de acordo com a estimativa do Governo.
A Sefaz fechou 2021 R$ 2,754 bilhões a mais de receita, arrecadando ao todo R$ 25,516 bilhões. Em quatro anos, terão passado pela caneta de Wilson R$ 81 bilhões.
É simplesmente o maior orçamento de todos os tempos no Amazonas.
Apesar de muitos passarem fome.

Levando em consideração apenas os quatro primeiros meses de 2022, as receitas do Amazonas alcançam R$ 9,6 bilhões. Está tudo no Portal da Transparência do Estado.
Números grandiosos e inócuos para esta família. Pai, mãe e filhos seguirão pedindo esmola sob o nariz de Wilson Lima e seu secretariado, que tenta se reeleger com programas existenciais. “Meu sonho é ver meus filhos estudando e não aqui no sinal. Queria ter o que dar de comer para eles todos os dias. Mas hoje não sou capaz”, disse o pai, minutos antes de pegar mais uma vez seu papelão e pedir ajuda no sinal.
Até quando?