Início Cidade A luta de uma médica contra a Covid em Manaus: “Eu vi...

A luta de uma médica contra a Covid em Manaus: “Eu vi a morte de perto”
Exlusivo para o Repórter Manaós

10116

Dária Neves, de 52 anos, conceituada Médica ginecologista, Obstreta, Especialista em Reprodução Humana, diretora Clínica CLININFERT, professora mestre concursada da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) e médica concursada da Secretária de Estado do Amazonas (SES-AM), lotada na Políclica PAM da Codajás, onde coordenada o Ambulatório de Diversidade Sexual e Gênero e o Ginecologia Endócrina (únicos serviços pelo SUS no Estado do Amazonas), viu de uma hora para outra sua vida ser virada ao avesso pela Covid-19 em Manaus.

Entre a correria dos atendimentos no PAM da Codajás, diante dos sintomas que foram se agravando, até a entrada na UTI do hospital Adventista, ao lado do esposo, também doente, ela é a prova de que o coronavírus não é uma gripezinha.

Hoje, em casa, lutando para se recuperar das dezenas de sequelas, ela já consegue dar um testemunho de vida que serve a todos nós. Essa reportagem é dedicada a todos os profissionais de Saúde, aos pacientes que lutaram e ainda lutam contra a Covid-19. Todos merecem nosso respeito.

“Eu vi a morte de perto. Estamos na segunda onda, sim! Subnotificação, hospitais lotados. Quem tem dinheiro faz. E quem não tem? Gostaria que todos tivessem a mesma oportunidade que eu tive.” 

Na UTI

A COVID NÃO PEDE LICENÇA

Os primeiros sintomas chegaram por volta do dia 8 de setembro. Até o dia 12 eram sintomas leves, que não davam a dimensão do que estava por vir. Foi só no dia 13 que a Covid começou a dizer para o que veio. “No dia 13 estava me sentindo muito mal. Muito cansada. Tive uma exposição viral muito grande, por causa de um parto de uma mãe que estava infectada sem saber, assim como duas pacientes.

Dias de luta

Dária e o esposo, o biólogo e empresário Herval Rubens Ribeiro, 61 anos, foram para casa, com uma receita e a ordem de isolamento. Diante dos sintomas que iniciou a apresentar e após já ter realizado três exames de teste rápido negativo fornecidos pelo SUS, procura serviço particular de laboratório e realiza o exame RT-PCR para COVID-19, no custo de R$550,00 e testa positivo. O pulmão com 50% de comprometimento. “Comecei a apresentar muita falta de ar, cansaço intenso. Já passando muito mal, fui colocada em oxigênio e internada, pela gravidade do caso, na UTI.”

A vitória estava lá na frente

A MORTE DIANTE DOS OLHOS

Imagine puxar o ar e ele estar fora do alcance. Acostumada a fazer partos e apresentar o mundo às novas vidas, Dária se viu diante da possibilidade de perder a vida que tanto lhe é familiar. “A falta de ar ocorre muito rápido, em torno do sétimo ao décimo dia. Os médicos tinham medo de prescrever a hidroxicloroquina, eu estava em tratamento e dentro do tratamento a evolução é muito rápida. Fui exposta à carga viral porque não me abstive no PAM da Codajás, que não deu apoio nenhum. Por mais que eu tivesse  medidas de segurança e EPI. A falta de ar é intensa, você não consegue respirar. Eu fui para um excelente hospital e não para uma unidade pública ou hospital de campanha vergonhoso. Só estamos vivos, eu e meu marido, porque fomos logo atendidos.”

Doutora Dária e o esposo, Herval Rubens Ribeiro, 61 anos, que se contaminou cuidado do amor da sua vida

NA CIÊNCIA X DESCRENÇA NOS POLÍTICOS

No dia em que deu entrada na UTI ela fez um post no Facebook que repercutiu em Manaus. Dária escreveu em sua rede social: “Eu acredito na Ciência. Acredito na vida.” Mais do que a fé, era a mensagem de otimismo de quem sabe que nem todos têm as mesmas oportunidades.

“Eu disse que acredito na Ciência, no tratamento, nos médicos da cidade.  Não no SUS defasado, manipulado e roubado”. No Brasil, dos mais de 157 mil mortos, no Amazonas, dos escândalos de corrupção na Saúde, operação Maus Caminhos e aparelhos superfaturados comprados em adega, é preciso crer na Ciência e ter condições de pagar por ela.

Wilson e seus respiadores que não são respiradoers

“Fomos porta de entrada da Covid por causa da nossa localização, em março, final de férias, as pessoas voltando. Deveríamos ter sido exemplo. Mas tivemos um hospital de campanha mentiroso. Numa cidade cheia de hospitais sucateados, médicos e enfermeiros capacitados, porque não  pegaram dinheiro do Governo Federal e colocaram dentro do hospital que já tinhamos? João Lúcio, Getúlio Vargas, Adriano Jorge. Onde já havia ciência. Pegaram milhões e colocaram num hospital e uma universidade particular, num hospital sucateado, abandonado. Contrataram pessoas recém-formadas e inexperientes. Deixo minha interrogação. Por quê?”

A profissional experiente que sabia da condição do Delphina Aziz sentiu a mesma revolta de quem perdeu parentes por falta de atendimento.

“Descobre-se que a maioria dos leitos estavam desocupados. Coisa que nós já sabíamos há muito tempo. Que aquele hospital superfaturado só funciona para a máfia que rouba a saúde pública do Estado. Eu sou funcionária pública. E isso é fato. Hoje estamos vendo todos eles como candidatos a prefeito. Olha que vergonha”.

Delphina Aziz e seus leitos vazios em plena pandemia

Se ainda tem quem defenda os absurdos diante da morte, a palavra de uma médica que esteve nos dois lados da pandemia não deixa dúvidas.

“Pra onde foi o dinheiro de um aparelho que custa 15 mil e o governador do Estado diz que comprou a cem mil? Ele não comprou respirador. Aquele aparelho que ele aparece mostrando, que chegou no avião da FAB, é CPPAP (Contiunous Positive Airway Pressure). Eu tenho na minha casa.”

SEQUELAS E AGRADECIMENTOS 

As imagens da saída do hospital são emocionantes. Atendida pelos melhores e mais dedicados profissionais, Dária é só gratidão. Mas a batalha continua. As sequelas são severas. Por sorte, ela tem como pagar fisioterapeuta, aparelhos e em breve estará de volta. Mas e quem não tem? Entra para os falsos números de recuperados.

Lembranças de uma batalha que não acabou

“Estou com dois dedos em gatilho, tremores, não consigo fazer minha assinatura (ontem tive que assinar documentos, ficou horrível), perdi músculo, tenho sarcopenia, fraqueza, cansaço, fungos no corpo. Visão turva. Cabelo caindo. Lesões na pele. Diabetes. Hipotireoidismo. Falta de memória. Pulmão 50% ainda comprometido. Envelheci 10 anos.”

 

Artigo anteriorCovid-19: Hospital Delphina Aziz tem 94% de ocupação dos leitos
Próximo artigoMotorista de APP é brutalmente assassinado após deixar passageira em casa

9 COMENTÁRIOS

  1. Chorei muito ao ler seu Drama. Sou irmã da Karla Barros e da Juliana Barros, passei 12 dias na UTI. E HJ PASSO POR TUDO O Q VC DESCREVEU.
    OBRIGADA POR ESSE DEPOIMENTO.

  2. O sucateamento da saúde vem acontecendo a muito tempo….mas vamos fazer um agradecimento a Deus por sua saúde e de seus familiares que tinham condições de pagar por um serviço caro e qualidade..mas que não é a realidade de muitos brasileiros que dependem do SUS vamos procurar por políticos honesto e comprometido com a vida de todos os cidadãos brasileiros…vamos orar por um brasil melhor e sem covid. Fica com Deus e muita saúde a todos nós da saúde que estamos expostos diariamente ao vírus.

  3. Assim como a doutora eu também peguei covid. Sou linha de frente do Samu. Fiquei 45 dias internado, dentre eles , 30 entubado na UTI. Sai do hospital sem nenhum movimento no corpo, e ainda com uma úlcera de pressão que trato até hoje. A minha alta deu se em 10/06/2020. Fiz mais de dois meses de fisioterapia para poder andar novamente e quando tudo parecia estar bem fui diagnosticado com uma estenose traqueal, e a nossa aflição voltou de novo. Fui internado as pressas e passei por duas cirurgias e hoje encontro me traqueostomisado por tempo indeterminado até que minha traquea volte aos moldes normais.
    Sou um milagre vivo de Deus !!!

    • Oi. Quer contar sua história pra gente uma matéria como essa? Se você topar mande uma mensagem pro nosso zap que faremos contato. Histórias assim são inspiradoras. 981071637.

  4. Todos ficamos preocupados quando soubemos do seu acometimento sobre tudo ter chegado a fase 2.
    Temos que estar atentos aos primeiros sintomas e tratar desse o dia 1 . Não esperar piorar mesmo que os sintomas sejam leves. Temos vários medicamentos úteis e cada vez com mais estudos confirmando sua eficácia desde que utilizados precocemente no maximo iniciar no terceiro dia de sintomas. Obrigado Dra pela sua contribuição a Sra sempre está nas nossas orações e nos nossos melhores desejos para vc w sua família.

  5. Muito lamentável o que acontece no nosso Estado , as mesmas caras ,
    estão pedindo votos pra continuar manipulando mentindo enganando Deus e pai e vai pedir conta de tudo que se plantar!

  6. Minha mãe foi internada no Hospital de campanha, onde passou 10 dia e faleceu com 67 anos, no dia em que minha mãe faleceu, o enfermeiro relatou que no dia anterior, ou seja, no domingo, não teve médico plantonista nas 24 horas por falta de profissionais, então minha mãe que estava grave na cápsula estava sem avaliação nas 24 horas. Quando entrei para ve-la depois de muita insistência e pelo fato de não recebermos nenhum boletim por 3 dias, olhei para minha mãe e não a conheci, estava jogada, a mingua, entrei em contato com o médico que estava lá no momento e o mesmo me comunicou que não conhecia o quadro da minha mãe e pegou o prontuário e fomos verificar tudo sobre ela, foi quando ele fez a visita e eu como enfermeira intensivista estava anestesiada e sem sentir o chão pq sabia que minha mãe não tinha uma chance. Descaso total. As 19:30 Ela faleceu s3m nenhuma chance de viver. Hoje vivo a base de remédios controlados por causa da depressão recorrente grave, todos os dias amanheço com a última cena, o último olhar e as últimas palavras da minha mãe. Não aceito que ela se foi daquela forma, sem assistência dentro de um hospital de mentira, todos profissionais sem capacitação, parecia um campo de batalha da terceira guerra mundial, verdadeiro inferno, só politicagem.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui